Shirley, fundador do folclórico Bar do Shirley, morre de Covid-19 aos 53 anos

Faleceu no Hospital Geral do Estado (HGE), onde estava internado, na terça-feira (23)
Shirley ao lado de uma de suas meninas, Patrícia (Fotos: arquivo pessoal)

José da Silva Santos foi um cidadão muito conhecido, não só no município, mas na região. Popularizou-se tanto que pulou do submundo, de onde tirava seu ganha-pão, para outras camadas sociais. Não pelo nome de batismo, é certo, mas pelo personagem que criou para si mesmo e se tornou lendário. Afinal, quem nunca ouviu falar do Shirley? Quem já passou pela frente do folclórico Cabaré do Shirley, uma casa murada quase isolada na beirinha da AL 101 Norte, aparentemente igual às outras, e nunca fez ou ouviu algum comentário ácido ou escrachado?

Esse animado e espalhafatoso moreno de 53 anos, natural da cidade de Porto Calvo, Alagoas, cumpriu seu calvário nos últimos 21 dias de vida. Até morrer na terça-feira (23), no Hospital Geral do Estado (HGE), onde estava internado. Antes, havia passado pela Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Santo Antônio, de Maragogi, e pelo Hospital Regional de Porto Calvo. Shirley foi mais uma vítima da Covid-19. Ele era hipertenso e diabético. Seu corpo foi enterrado no cemitério da Terra de Calabar.

Shirley com um irmão e Lucas (de boné), seu sobrinho.

“Foi um pai pra mim”, relatou seu sobrinho e braço direito, Lucas, que esteve do seu lado até o fim. “Ele ajudou a minha vó a me criar. Vim morar com ele aos 11 anos de idade, hoje tenho 20. Nunca me deixou faltar nada. Nem para a minha família nem para as meninas que trabalharam para ele. Bastava elas ligarem e ele prontamente atendia. Meu tio foi um guerreiro. Praticamente criou todos os irmãos, trabalhando na roça. Ele era um ser humano especial. Se hoje sou um homem de caráter, foi graças a ele e minha avó.”

No fim da tarde dessa quarta-feira (24), depois do seu enterro, o cabaré se encontrava fechado. Silencioso. Mas lá dentro estavam quatro de suas “meninas”: Patrícia, uma morena de 38 anos; Daniele, uma loira de 33 anos; Viviane, de 23 anos, uma espécie de filha adotiva do Shirley; e a “fechosa” Fabiana Lins, uma trans de 26 anos, da cidade de Joaquim Nabuco, Pernambuco. Enroladas em toalhas de banho e comendo macarrão, as simpaticíssimas mulheres abriram o portão do lado para nos receber com toda naturalidade.

Todas falaram do ex-chefe com carinho. Entre tapas e beijos, mantiveram uma relação muito além do profissional com o “protetor”: de profunda amizade. Apesar da tristeza, narraram até pequenos casos engraçados ocorridos no cabaré. “Shirley era do bem. Gostava de rir, de brincar, soube aproveitar a vida. Brigava hoje, amanhã já tinha esquecido. Não guardava rancor”, falaram a uma só voz.

José da Silva Santos, o Shirley, ladeado pela irmã e o cunhado.

“É doloroso ter que aceitar que uma pessoa tão maravilhosa foi embora e de uma forma tão rápida e absurda. Ele foi especial na minha vida e na vida da minha família também. Shirley só fez o bem, tratava todo mundo por igual. Se não podia ajudar, também não atrapalhava. Matou a fome de muita gente. Lutou, venceu. Pecador? Sim, igual a todo mundo. Mas existem os pecadores ruins; ele era um pecador do bem. Usava o pecado para matar a fome de muita gente, inclusive da própria família. Sempre fez de tudo pela família dele. Tanto é que seu sobrinho Lucas esteve ao seu lado até o último momento da sua vida. Para ele, eu só desejo luz. E fico aliviada em saber que agora não está mais sofrendo”, contou, chorando, por telefone, Jaqueline, que trabalhou durante alguns anos no cabaré.

Com a irmã, Tânia.

Outra de suas meninas que também fez questão de falar sobre o ex-patrão foi Janaína. Emocionada, endossou suas qualidade humanas e mostrou conscientização em relação ao vírus. “Tão difícil, né? Vidas indo embora por conta dessa doença. Parece um sonho ruim, passei o dia inteiro trabalhando para não lembrar tanto. O Shirley cuidou de mim, da minha família, nos cativou. Era um cara incrível. Ele nos amava de verdade. Por isso tudo gostaria que, em sua memória, a história do bar continuasse.” E fez um apelo: “Fiquem em casa, se cuidem, essa doença não é brincadeira. Está levando pessoas que amamos.”

A história do cabaré prosseguirá, sim, no que depender de Lucas. “Quero continuar a história que meu tio criou aqui dentro de Maragogi. Até onde Deus quiser”, disse o rapaz.

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