Morre em Maragogi, aos 75 anos, mestra do Pastoril, Dona Dudé

E nossa cultura fica ainda mais pobre

Faleceu, na tarde deste domingo (19), em Maragogi, Maria José Ferreira, a Dona Dudé do Pastoril, aos 75 anos de idade. Ela vinha lutando contra um câncer. Natural de Maragogi (Barra Grande), Dona Dudé era mestra em folguedos, carregava de memória um texto sacro-profano, auto-popular-natalino, conhecido como Lapinha, um brinquedo em vias de extinção que agrega versos do português arcaico, batalhas que remontam às narrativas sebastianistas, mouros e cristãos, vermelhos e azuis em duelo pelo menino Jesus, canções de amor, guerras e devoções.

A memória de Dudé era um depositário único desse brinquedo em Alagoas, conforme descreve bem a narrativa do documentário feito exclusivamente para homenageá-la, intitulado A Lapainha da Dudé. Ela era a voz, a poesia e a resistência de uma guerreira, personificação da cultura popular maragogiense. Além de mestra de Lapinha, Dona Dudé foi professora de pastoril, ministrava o grupo das baianas, e cantava e dançava no Samba do Matuto, além de compositora.

Uma das músicas que a mestra canta mostra o tanto de viés religioso que permeia suas letras: “Tive um sonho esta noite / Que um anjo do céu veio a mim / O anjo assim me dizia / Tu é a flor do jardim / Eu com minhas promessas / Me ajoelhei, fui rezar / Para o menino Jesus / Juntinho aqui adorar / Dou adeus às pastorinhas / Ao partidário também / Parto levando saudades / Pra ver Jesus nosso bem.”

A geração de Dudé e Tião do Samba Matuto divide saberes e constitui ponto de resistência frente à indiferença dos poderes públicos e à massificação da cultura, duas faces de uma mesma moeda. A Lapinha e o pastoril são expressões populares com forte vínculo. Ambos estão relacionados ao ciclo natalino e várias de suas loas e jornadas se assemelham (texto extraído do mesmo documentário).

À medida que a cidade turística torna-se cada vez mais inóspita para a população original, folguedos e brincantes vão dando lugar às micaretas, restam aos brincantes poucas estratégias de resistência a essa política de indiferença e silenciamento. Florista, Açucena, Aurora, Diana, Borboleta, o Cordão azul e o Cordão Encarnado, Mestra e Contra-Mestra, Camponesa, Libertina, Cigana, o Pastor e a Rainha ficarão para sempre nos corações dos barragrandenses.

“Dudé do Pastoril era uma mulher humilde, de conversa boa, a singeleza em pessoa. Grande mestra de folguedos, guardava na memória versos e causos da cultura popular alagoana. Barra Grande está de luto pela perda irreparável de sua mestra, a flor mais bela de seu jardim”, lamenta o professor e escritor Anderson Peace. “Dona Dudé, ao lado de Mestre Eurico do Bumba-meu-boi, do Mestre Sebastião do Samba do Matuto e do poeta Valdomiro Batista de Melo, figura o Estandarte da Cultura maragogiense. Obrigado por tudo, Dudé! Sua voz ficará para sempre em nossos corações.”

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