O Ministério Público Federal (MPF) realizou, nesta quinta-feira (24), uma diligência em Maragogi, Litoral Norte de Alagoas, para apurar o impacto da expansão imobiliária na Praia de São Bento, especialmente em relação ao fechamento de acessos tradicionais utilizados pelos pescadores para transporte de jangadas e equipamentos de trabalho. A ação integra o Inquérito Civil n.º 1.11.000.001054/2022-77, instaurado pela procuradora da República, Juliana Câmara, para investigar denúncias de bloqueio de acessos à praia, inclusive de vias essenciais para o exercício da pesca, atividade de subsistência da comunidade.
A diligência teve início com uma reunião na sede da Associação de Pescadores, Marisqueiras e Aquicultores de São Bento (Apemasbe), contando com a presença de representantes da associação, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e da Comissão Pastoral da Pesca (CPP). Durante o encontro, foram discutidas as demandas e dificuldades enfrentadas pela comunidade, com ênfase na falta de locais para armazenamento e manutenção de equipamentos, além da precariedade da infraestrutura existente.
O pescador Josias Ferreira Teixeira desabafou. “Eu me sinto vomitado da praia onde eu nasci, onde eu aprendi a pescar”, disse o pescador ao comentar sobre o impacto das construções voltadas ao turismo na região. Ele relatou a redução do espaço para guardar equipamentos e a perda gradual de acessos ao litoral, que seriam essenciais para a continuidade das atividades pesqueiras.
Após a reunião, o grupo realizou uma inspeção nos pontos de acesso mais críticos indicados pelos pescadores. A visita incluiu a verificação de bloqueios e a confirmação, com base em levantamentos fotográficos do MPF no ano anterior, da supressão de alguns acessos. Durante a tarde, o MPF conduziu uma segunda reunião, com representantes das instituições mencionadas e da Prefeitura de Maragogi, para discutir o projeto de urbanização da orla de São Bento e as ações previstas pela municipalidade.
A procuradora da República, Juliana Câmara, destacou a importância do equilíbrio entre o desenvolvimento turístico e a preservação dos direitos das comunidades tradicionais. “O turismo é necessário, mas o desenvolvimento não pode massacrar essa população. Até mesmo porque muito do potencial turístico é desperdiçado quando se ignora a cultura e as singularidades do território, que são o grande atrativo para o turismo de alto nível, que busca justamente a rusticidade e as peculiaridades locais, respeitando o aspecto socioambiental”, afirmou a representante do MPF.
Tais garantias estão previstas no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (Lei nº 7.661/1988), que estabelece que toda propriedade privada deve cumprir sua função socioambiental. De acordo com a procuradora da República, a chegada de empreendimentos imobiliários e turísticos certamente traz oportunidades econômicas para a região; no entanto, “expulsar moradores, pescadores e marisqueiras de suas atividades tradicionais não é compatível com essa função social”, destacou Juliana Câmara, durante a reunião com representantes da prefeitura, incluindo o prefeito de Maragogi, Fernando Sérgio Lira Neto.
Encaminhamentos – Como primeiro encaminhamento, o MPF sugeriu à Prefeitura de Maragogi a realização de uma oficina com a comunidade local para construir um consenso em torno do plano de urbanização da orla da Praia de São Bento. O objetivo é harmonizar as demandas dos pescadores com o desenvolvimento previsto, de forma que as decisões de urbanização sejam compartilhadas com a comunidade. A procuradora solicitou que o resultado desta oficina seja encaminhado ao MPF até o final de novembro.
Além disso, foi discutida a adoção de instrumentos jurídicos, como o Sistema de Gestão de Imóveis da União (SISREI) e os Termos de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), para garantir a continuidade das atividades pesqueiras. O SISREI permite a cessão de uso de áreas da União, enquanto o TAUS possibilita o uso sustentável de terras públicas por comunidades tradicionais, oferecendo uma segurança jurídica fundamental para a preservação das atividades locais.
O segundo encaminhamento refere-se à fiscalização dos acessos à praia, a ser realizada pela prefeitura de Maragogi. Durante a inspeção, o MPF constatou que alguns pontos de acesso foram suprimidos, corroborando com as denúncias feitas pela comunidade.
Essas ações visam garantir que o desenvolvimento imobiliário e turístico da região não comprometa os direitos e a subsistência das comunidades tradicionais de São Bento, preservando os valores culturais e sociais que caracterizam o litoral de Maragogi.
Segundo a procuradora da República, Juliana Câmara, o papel do MPF é articular as demandas dos pescadores com as ações da Prefeitura, garantindo que a comunidade tenha seu direito de ser ouvida respeitado e que as decisões públicas estejam alinhadas com a legislação sobre gerenciamento costeiro. “Nosso objetivo é assegurar que a coletividade tenha voz ativa e que o desenvolvimento da região ocorra sem atropelar os direitos das comunidades tradicionais, fundamentais para a identidade e o equilíbrio social do local”, concluiu.
Assessoria
3 respostas
Parabéns pela atitude conjunta do MPF com prefeitura municipal de Maragogi e associação de pescadores e marisqueiras de são bento, esse ação é tal importância para garantir os direitos dos nativos! salientando que os empreendimentos trás empregos e ou benefícios para a região, mas entrando num conceso todo mundo sai ganhando
Sou de Búzios, qui a situação é muito mais agressiva, a paisagem e aos direitos consagrados de ‘ir e vir’ a praia. A maioria dos empresários só visam lucros e, nem estão preocupados com a cultura e o meio ambiente local.
O município precisa investir em educação ambiental e saneamento básico. Não é só lotear os terrenos pé na areia para condomínios de luxo e resorts. Sem saneamento e educação não há praia nem natureza que resista. Fiz uma breve caminhada na praia e voltei com garrafas pet e vários materiais plásticos na mão. E não eram dos turistas!