Festa de Nossa Senhora da Guia: cultura, história, amor e devoção

“Vinde devotos, os fiéis /Doce hino entoar / A Nossa Senhora da Guia/ Virgem Pura Singular” esses são os versos que iniciam o hino da padroeira de Barra Grande, Nossa Senhora da Guia. Os festejos tradicionais e religiosos fazem parte do calendário cultural e religioso da vila turística de Maragogi, munícipio do Litoral Norte de Alagoas.  A história e devoção à Nossa Senhora da Guia é marcada pela fundação da Vila, Invasão holandesa, furto da imagem original e achado no Recife, entre outros fatos históricos. As festividades são comemoradas tradicionalmente na última semana de janeiro, entre a terça-feira, hasteamento da bandeira, e o sábado, com a alvorada, batizados, queima de fogos, procissão e missa solene. Uma festa que ultrapassa gerações por centenas de anos.

Capela do Sagrado Coração de Jesus – década de 90

No livro “Antiga Vila Isabel — Maragogi de todos os tempos”, o escritor Padre Alex Rufino, descreve a tradicional festa da padroeira de Barra Grande: “A Festa de Nossa Senhora da Guia, em Barra Grande, tem o seu início na fundação da capela construída sobre o monte. Com a triunfante chegada da Imagem de Nossa Senhora vinda de barcaça no Porto de Barra Grande e conduzida em procissão nos ombros para sua igreja santuário. Foi entronizada para a devoção do povo do lugar como sinal de gratidão.”

Embora não se tenha registros oficiais, de acordo com alguns historiadores, Barra Grande provavelmente foi o primeiro ponto alagoano visto pelos portugueses, em 1501.  Nesse mesmo ano, Américo Vespúcio assinala o primeiro rio, São Miguel, em 29 de setembro e em 4 de outubro, “batiza” o rio São Francisco, na terra que posteriormente seria chamada de Alagoas. Ainda no livro “Antiga Vila Isabel — Maragogi de todos os tempos”, encontramos dados referentes a fundação do distrito de Barra Grande, originado no século XVII. A vila abriga o primeiro porto a ser tomado no episódio da invasão, com a ajuda de Calabar, em 1635.

Imagem original, antes de ser “roubada”.

A enseada natural, a qual insistem em chamar atualmente de “Caminho de Moisés”, serviu para o desembarque da armada holandesa de 12 velas, dos navios negreiros que contrabandeavam escravos trazidos da África e o embarque da cana de açúcar dos engenhos alagoanos.

“É nesse povoado de mar aberto e paisagem ensolarada — onde nativos se encarregam de aumentar um ponto em cada história narrada — que encontramos preservada a Capela de Nossa Senhora da Guia. Erguida na parte alta, afastada do centro, a construção singela é precedida por escadaria e um pequeno adro destinado à reunião de fiéis nos momentos festivos. Na fachada, um frontão triangular, encimado pela cruz latina e contornado por friso de pedra, facilita a leitura seiscentista do monumento.”

Imagem original.

De acordo o livro “Antiga Vila Isabel — Maragogi de todos os tempos”: “Há indícios de que a capela tenha sido levantada no início do povoado. Era comum, quando o lugar se desenvolvia, a capela ou a igreja ser ampliada ou demolida para que, no mesmo local, fosse levantada outra maior. Sua linha arquitetônica não destoa do que era usual no século XVII. O que é reforçado pelo fato de os documentos do período holandês registrarem no local a presença de uma capela como marco da paisagem, nessa época em que portugueses e holandeses viviam em constantes atritos.”

A devoção à Nossa Senhora da Guia é passada de geração a geração. Filhos ilustres como o poeta Valdomiro Batista de Melo e a cordelista Odete Isabel do Nascimento, registraram em seus escritos fatos importantes sobre o amor e devoção à Nossa Senhora.

Quem visita a vila Barra Grande, pode conferir as ruas enfeitadas com bandeirinhas, a igreja bem iluminada, fogos que enfeitam o céu, confraternização das famílias, fiéis que peregrinam para prestarem suas homenagens à Virgem Maria. É um encontro cultural e religioso carregado de emoção, fé e esperança. As festividades da Virgem da Guia deixam a turística e singela vila ainda mais bela. Turistas, veranistas e moradores comungam da mesma gratidão e emoção.

Lateral da igreja – celebração de sacramento.

Filhos ilustres como Valdomiro, Luiz Tavares, dona Lena, dona Antônia, dona Anita, Seu Eurico do Bumba meu boi, dona Neném e seu Amarino, Seu Ari, Eliabe, dona Odila, a senhora Amélia Soares de Brito, a senhora Amara do Pinta, dona Miranda e os incontáveis devotos marianos que já partiram e foram sepultados no cemitério de Nossa Senhora da Guia, assim como os devotos vivos e filhos ilustres: Dona Judite, Dona Odete, Dona Francisca, Dona Lila, Zezé, Dona Anita, Seu Amaro Feliciano, Natalício, Dona Neta, Maninho, dona Maria Alves, Marinaldo, Binha, Seu Narcísio e Euclides e os inúmeros filhos devotos. Turistas e veranistas pernambucanos como o Peron, dona Fátima Uchôa, dona Neide Ribeiro e muitos outros que peregrinam para festejar junto à população local os encantos da Virgem da Guia.

É incontestável o arrebatamento de Nossa Senhora nesta terra alagoana. Ao enfraquecer do sol, quando a procissão desce o morro, os moradores são contagiados com tamanha emoção. Cristãos de outras denominações ficam aguardando, em suas portas e calçadas, o cortejo passar. Centenas de pessoas invadem as ruas acompanhado o andor. Bandas de músicas, carros de som, uma alegria sem igual. As crianças vestidas de anjos embelezam a caminhada dos fiéis. A procissão passeia pelas principais ruas da comunidade e ao voltar para o santuário traz consigo o dobro de fiéis, pessoas que foram contagiadas por tamanha manifestação de fé e devoção. Ao subir o morro, o cortejo celebra, com alegria, o início de um novo ciclo. Os fogos enfeitam o céu embelezando ainda mais o lugarejo.

Só quem participa dessa manifestação de fé e devoção consegue definir os sentimentos partilhados. Barra grande respira um outro ar, cheio de esperança e solidariedade. Parece que somos um, na unidade cristã que nos ilumina. Vale ressaltar que essa devoção é transmitida de geração em geração. Uma festa que recomeça assim que a outra acaba. As expectativas, emoções e rituais são singulares e ímpares.

Maria arrasta multidões! Em Aparecida, no Círio de Nazaré, em Fátima, no morro recifense, na vila Barra Grande ou em qualquer parte do globo terrestre. Como nos exorta o Papa Franciso: “Um cristão sem Maria está órfão. Maria nos ajuda a crescer humanamente e na fé. Ela é mãe que nos guia a grandes ideais. Toda existência de Maria é um hino à vida, um hino de amor à vida: Ela gerou Jesus na carne e acompanhou o nascimento da Igreja no calvário e no cenáculo.”

O convite feito aos fiéis, devotos de Nossa Senhora da Guia, estende-se a todos os maragogienses e visitantes. Quem canta a poesia mariana desse hino é cativado a sempre vir a este lugar. Lá dos mares, da cidade, da capital ou do interior, a fé e amor à Maria é o combustível que anima a vivenciar os desafios de um novo ano que se inicia. Façamos do exemplo de Maria, aquela que foi servir a sua prima Isabel e que percebeu a falta de vinho nas bodas de Caná, e reconheçamos que precisamos transformar em caridade, em serviço humano e fraterno, a fé que nos move. Como nos convida o hino de Nossa Senhora da Guia: “Vinde todos com prazer/ Vinde, não vos detenhais/Consagrar o puro amor/ A Rainha, mãe dos mortais!”. Viva a Nossa Senhora da Guia!

Altar principal do Santuário

Trecho do cordel: “A Verdadeira História de Nossa Senhora da Guia”, de Valdomiro Batista de Melo:

Jesus Cristo Salvador

Filho da Virgem Maria

Tu Senhor me deste

Esta grande sabedoria

Para eu escrever a história

De Nossa Senhora da Guia

 

Há mais de 300 anos

Num inverno forte

Um navio holandês

Viajando para o norte

Era no mês de julho

Quase que não dava sorte

 

Era chuva em abundância

Com muita ventania

Os tripulantes com medo

Que grande agonia

Os marinheiros gritavam

Valei-me, Nossa Senhora da Guia

 

A tormenta forte

Com relâmpago e trovão

O navio ia afundando

Que triste situação

Santa Maria, mãe de Deus

Tenha de nós compaixão

 

Foi naquele momento

Que falou o capitão

Pediu à Nossa Senhora da Guia

Com fé e devoção

Que tirasse daquele sofrimento

Rezou uma oração

 

A oração dizia assim

Nossa Senhora da Guia

Com muita fé eu te peço

Nesta hora de meio-dia

Salva nós, marinheiros

Assim todos pedia

 

Quando o capitão terminou

De rezar a oração

Imediatamente sentiu

A alegria no coração

Nossa Sra. da Guia

Teve de nós compaixão

 

Ajoelhou-se com fé

A imagem fez um voto

Disse para a Virgem Santa

Eu sou o teu devoto

Vai tirar-me dessa agonia

No meu pensamento eu noto

 

Primeiro monte que eu avistar

Farei a tua morada

O teu altar brilhante

Virgem Santa sagrada

Foi tu que me tirou

Ô, Maria Imaculada

 

Dizendo estas palavras

O vento acalmou

Naquele mesmo momento

A ventania passou

Caiu a escuridão

A luz do dia clareou

 

Seguiu para seu país

Naquela grande jornada

Satisfeito da vida

Ó Maria Imaculada

Foi tu que me salvou

Daquela hora amargurada

 

Quando ia viajando

Primeiro monte que avistou

Foi aqui em Barra Grande

Que a igreja fundou

A Nossa Senhora da Guia

Com muito prazer entregou

 

Cumpriu a sua promessa

Pela graça que recebeu

De Nossa Sra. da Guia

Junto com o filho seu

Nosso Sr. Jesus Cristo

O amor de Deus

 

Depois que Ele deixou

Seu voto aprovado

Despediu de Barra Grande

Tudo ficou realizado

Seguiu para a Holanda

Seu país desejado

 

Adeus, Barra Grande, adeus

Adeus, minha santa querida

Nossa Sra. da Guia

Salvou a minha vida

Com os meus marinheiros

Vamos fazer partida…

Procissão

Trecho do poema: “Paróquia de Santo Antônio em cordel”, de Odete Isabel Nascimento:

“Em mil e novecentos e setenta e cinco,

Aconteceu em Barra Grande

Um fato alarmante

Ao amanhecer do dia daquele ano,

A igreja estava vazia

Levaram a imagem de Nossa Senhora da Guia

Que susto para os devotos

Da virgem Maria

 

A notícia se espalhou em toda região

Deixando os devotos descontentes

Homens e mulheres cheios de aflição

O clamor do povo era esse:

“Temos que recorrer a alguém

Para juntos acharmos solução!”

Em outubro daquele mesmo ano

A notícia se espalhou

 

Doutor João era prefeito

E herdeiro destas terras

Ficou chocado com a notícia

De recife era delegado de roubos e furtos

Disse: “Vou investigar!

Não descanso enquanto não encontrar!”

Com muito esforço,

Doutor João pela imagem procurou

 

Uma alegria invadia os corações

A imagem de Nossa Senhora da Guia

Doutor João encontrou

Tal era a alegria do povo

Que logo se organizou

“Vamos buscar a imagem

De Nossa Senhora da Guia!”

Neste dia, até o céu se alegrou

 

Centenas de fiéis

A carreata acompanhou

Com fogos, músicas e oração

A emoção foi tanta que o choro

Saiu também em procissão

Muitos devotos choravam

“Nossa amada Maria voltou!”

“Viva a Mãe de Deus e nossa!”

 

Com a chegada da imagem

Veio também a preocupação:

“Para que Ela tenha segurança

Onde vamos colocar a imagem, então?”

A preocupação era grande

Mas o casal Eurico e Anita gritaram:

“A Virgem da Guia,

Em nossa casa, ficará!”

 

Naquele ano da descoberta

Recife ficou debaixo d’água

A imagem de Nossa Senhora da Guia

Estava em um quarto cheio d’água

Foi logo observada que sua pintura

Precisava ser reformada

Assim foi feito

E o povo ficou satisfeito

 

Um filho daqui de Barra Grande

José Santiago era seu nome

Filho de Seu Amaro Lotero

Logo se interessou

Trouxe de Maceió uma restauradora

“Traga a alegria para o povo!”

O serviço da artista ele contratou

E toda despesa pagou

 

De comum acordo

Entre a comunidade

Seu Eurico e Luiz Tavares

Viram a necessidade de outro local

Para a escola estadual

A imagem da Virgem levou

Seu Eurico a responsabilidade ao

Senhor Luiz Tavares delegou

 

Naquele tempo,

Na escola estadual faltava professor

O Senhor Luiz Tavares

Uma sala ali organizou

E a imagem da Virgem entronizou

Na escola, a comunidade

Celebrava missa e os sacramentos

Até o mês de maio a comunidade celebrou…

 

Hino de Nossa Senhora da Guia

Vinde devotos os fiéis,

doce hino entoar

a nossa senhora da guia

virgem pura singular (bis)

 

Ela roga sem cessar

A Jesus seu filho amado

Pelos seus filhos devotos

neste mês tão venerado (bis)

 

Vinde todos com prazer,

vinde não vos detenhais,

Consagrar o puro amor

a rainha mãe dos mortais (bis)

 

Defendei-nos, Ó virgem santa

Das ciladas dos inimigos

para que as nossas almas

Vivam em paz sem perigo(bis)

 

Lá do mar, avistaram um monte

só ali poderiam fazer

a igreja de nossa senhora

para ela nos proteger (bis)

Oração a Nossa Senhora da Guia

 “Maria conhece todas as nossas necessidades, mágoas, tristezas, misérias e esperanças. Interessa-se por cada um de seus filhos, roga por cada um com tanto ardor como se não tivera outro”. (Serva de Deus, Madre Maria José de Jesus).

Oração

 A corte celestial, perpetuamente canta vossos louvores, ó Rainha dos anjos e dos santos, soberana, clemente. Sois misericordiosa e o refúgio dos pecadores, por isso venho contrito pedir vossa interseção junto ao Vosso Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, perdão para os meus pecados e a graça de evitar os maus caminhos que levam à perdição. Suplico-vos Senhora, vosso auxílio na existência, vossa proteção em minhas atividades, vosso amparo nos meus negócios, o favor de me abrir os olhos e a inteligência a fim de que eu compreenda onde está a minha salvação e, quais os recursos dos quais devo me servir para não ser malsucedido. Afastai de mim os inimigos, os desonestos, os homens sem fé e sem caridade. Concedei-me boa disposição de alma e de corpo, para que eu possa dirigir meus interesses, a fim de que jamais recuse um auxílio aos que necessitam de pão e de socorro material ou espiritual. Dê-me paciência, perseverança e destemor diante dos obstáculos. Dê-me, Senhora da Guia, vosso amparo. Mãe Imaculada, rogai por nós. Mãe admirável, rogai por nós. Amém.

 Rezar 1 Pai-Nosso, 3 Ave-Marias e 1 Salve-Rainha

 

Texto: Anderson Peace

Fotos: arquivo paroquial e Anderson Peace

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