“Vinde devotos, os fiéis /Doce hino entoar / A Nossa Senhora da Guia/ Virgem Pura Singular” esses são os versos que iniciam o hino da padroeira de Barra Grande, Nossa Senhora da Guia. Os festejos tradicionais e religiosos fazem parte do calendário cultural e religioso da vila turística de Maragogi, munícipio do Litoral Norte de Alagoas. A história e devoção à Nossa Senhora da Guia é marcada pela fundação da Vila, Invasão holandesa, furto da imagem original e achado no Recife, entre outros fatos históricos. As festividades são comemoradas tradicionalmente na última semana de janeiro, entre a terça-feira, hasteamento da bandeira, e o sábado, com a alvorada, batizados, queima de fogos, procissão e missa solene. Uma festa que ultrapassa gerações por centenas de anos.
No livro “Antiga Vila Isabel — Maragogi de todos os tempos”, o escritor Padre Alex Rufino, descreve a tradicional festa da padroeira de Barra Grande: “A Festa de Nossa Senhora da Guia, em Barra Grande, tem o seu início na fundação da capela construída sobre o monte. Com a triunfante chegada da Imagem de Nossa Senhora vinda de barcaça no Porto de Barra Grande e conduzida em procissão nos ombros para sua igreja santuário. Foi entronizada para a devoção do povo do lugar como sinal de gratidão.”
Embora não se tenha registros oficiais, de acordo com alguns historiadores, Barra Grande provavelmente foi o primeiro ponto alagoano visto pelos portugueses, em 1501. Nesse mesmo ano, Américo Vespúcio assinala o primeiro rio, São Miguel, em 29 de setembro e em 4 de outubro, “batiza” o rio São Francisco, na terra que posteriormente seria chamada de Alagoas. Ainda no livro “Antiga Vila Isabel — Maragogi de todos os tempos”, encontramos dados referentes a fundação do distrito de Barra Grande, originado no século XVII. A vila abriga o primeiro porto a ser tomado no episódio da invasão, com a ajuda de Calabar, em 1635.
A enseada natural, a qual insistem em chamar atualmente de “Caminho de Moisés”, serviu para o desembarque da armada holandesa de 12 velas, dos navios negreiros que contrabandeavam escravos trazidos da África e o embarque da cana de açúcar dos engenhos alagoanos.
“É nesse povoado de mar aberto e paisagem ensolarada — onde nativos se encarregam de aumentar um ponto em cada história narrada — que encontramos preservada a Capela de Nossa Senhora da Guia. Erguida na parte alta, afastada do centro, a construção singela é precedida por escadaria e um pequeno adro destinado à reunião de fiéis nos momentos festivos. Na fachada, um frontão triangular, encimado pela cruz latina e contornado por friso de pedra, facilita a leitura seiscentista do monumento.”
De acordo o livro “Antiga Vila Isabel — Maragogi de todos os tempos”: “Há indícios de que a capela tenha sido levantada no início do povoado. Era comum, quando o lugar se desenvolvia, a capela ou a igreja ser ampliada ou demolida para que, no mesmo local, fosse levantada outra maior. Sua linha arquitetônica não destoa do que era usual no século XVII. O que é reforçado pelo fato de os documentos do período holandês registrarem no local a presença de uma capela como marco da paisagem, nessa época em que portugueses e holandeses viviam em constantes atritos.”
A devoção à Nossa Senhora da Guia é passada de geração a geração. Filhos ilustres como o poeta Valdomiro Batista de Melo e a cordelista Odete Isabel do Nascimento, registraram em seus escritos fatos importantes sobre o amor e devoção à Nossa Senhora.
Quem visita a vila Barra Grande, pode conferir as ruas enfeitadas com bandeirinhas, a igreja bem iluminada, fogos que enfeitam o céu, confraternização das famílias, fiéis que peregrinam para prestarem suas homenagens à Virgem Maria. É um encontro cultural e religioso carregado de emoção, fé e esperança. As festividades da Virgem da Guia deixam a turística e singela vila ainda mais bela. Turistas, veranistas e moradores comungam da mesma gratidão e emoção.
Filhos ilustres como Valdomiro, Luiz Tavares, dona Lena, dona Antônia, dona Anita, Seu Eurico do Bumba meu boi, dona Neném e seu Amarino, Seu Ari, Eliabe, dona Odila, a senhora Amélia Soares de Brito, a senhora Amara do Pinta, dona Miranda e os incontáveis devotos marianos que já partiram e foram sepultados no cemitério de Nossa Senhora da Guia, assim como os devotos vivos e filhos ilustres: Dona Judite, Dona Odete, Dona Francisca, Dona Lila, Zezé, Dona Anita, Seu Amaro Feliciano, Natalício, Dona Neta, Maninho, dona Maria Alves, Marinaldo, Binha, Seu Narcísio e Euclides e os inúmeros filhos devotos. Turistas e veranistas pernambucanos como o Peron, dona Fátima Uchôa, dona Neide Ribeiro e muitos outros que peregrinam para festejar junto à população local os encantos da Virgem da Guia.
É incontestável o arrebatamento de Nossa Senhora nesta terra alagoana. Ao enfraquecer do sol, quando a procissão desce o morro, os moradores são contagiados com tamanha emoção. Cristãos de outras denominações ficam aguardando, em suas portas e calçadas, o cortejo passar. Centenas de pessoas invadem as ruas acompanhado o andor. Bandas de músicas, carros de som, uma alegria sem igual. As crianças vestidas de anjos embelezam a caminhada dos fiéis. A procissão passeia pelas principais ruas da comunidade e ao voltar para o santuário traz consigo o dobro de fiéis, pessoas que foram contagiadas por tamanha manifestação de fé e devoção. Ao subir o morro, o cortejo celebra, com alegria, o início de um novo ciclo. Os fogos enfeitam o céu embelezando ainda mais o lugarejo.
Só quem participa dessa manifestação de fé e devoção consegue definir os sentimentos partilhados. Barra grande respira um outro ar, cheio de esperança e solidariedade. Parece que somos um, na unidade cristã que nos ilumina. Vale ressaltar que essa devoção é transmitida de geração em geração. Uma festa que recomeça assim que a outra acaba. As expectativas, emoções e rituais são singulares e ímpares.
Maria arrasta multidões! Em Aparecida, no Círio de Nazaré, em Fátima, no morro recifense, na vila Barra Grande ou em qualquer parte do globo terrestre. Como nos exorta o Papa Franciso: “Um cristão sem Maria está órfão. Maria nos ajuda a crescer humanamente e na fé. Ela é mãe que nos guia a grandes ideais. Toda existência de Maria é um hino à vida, um hino de amor à vida: Ela gerou Jesus na carne e acompanhou o nascimento da Igreja no calvário e no cenáculo.”
O convite feito aos fiéis, devotos de Nossa Senhora da Guia, estende-se a todos os maragogienses e visitantes. Quem canta a poesia mariana desse hino é cativado a sempre vir a este lugar. Lá dos mares, da cidade, da capital ou do interior, a fé e amor à Maria é o combustível que anima a vivenciar os desafios de um novo ano que se inicia. Façamos do exemplo de Maria, aquela que foi servir a sua prima Isabel e que percebeu a falta de vinho nas bodas de Caná, e reconheçamos que precisamos transformar em caridade, em serviço humano e fraterno, a fé que nos move. Como nos convida o hino de Nossa Senhora da Guia: “Vinde todos com prazer/ Vinde, não vos detenhais/Consagrar o puro amor/ A Rainha, mãe dos mortais!”. Viva a Nossa Senhora da Guia!
Trecho do cordel: “A Verdadeira História de Nossa Senhora da Guia”, de Valdomiro Batista de Melo:
Jesus Cristo Salvador
Filho da Virgem Maria
Tu Senhor me deste
Esta grande sabedoria
Para eu escrever a história
De Nossa Senhora da Guia
Há mais de 300 anos
Num inverno forte
Um navio holandês
Viajando para o norte
Era no mês de julho
Quase que não dava sorte
Era chuva em abundância
Com muita ventania
Os tripulantes com medo
Que grande agonia
Os marinheiros gritavam
Valei-me, Nossa Senhora da Guia
A tormenta forte
Com relâmpago e trovão
O navio ia afundando
Que triste situação
Santa Maria, mãe de Deus
Tenha de nós compaixão
Foi naquele momento
Que falou o capitão
Pediu à Nossa Senhora da Guia
Com fé e devoção
Que tirasse daquele sofrimento
Rezou uma oração
A oração dizia assim
Nossa Senhora da Guia
Com muita fé eu te peço
Nesta hora de meio-dia
Salva nós, marinheiros
Assim todos pedia
Quando o capitão terminou
De rezar a oração
Imediatamente sentiu
A alegria no coração
Nossa Sra. da Guia
Teve de nós compaixão
Ajoelhou-se com fé
A imagem fez um voto
Disse para a Virgem Santa
Eu sou o teu devoto
Vai tirar-me dessa agonia
No meu pensamento eu noto
Primeiro monte que eu avistar
Farei a tua morada
O teu altar brilhante
Virgem Santa sagrada
Foi tu que me tirou
Ô, Maria Imaculada
Dizendo estas palavras
O vento acalmou
Naquele mesmo momento
A ventania passou
Caiu a escuridão
A luz do dia clareou
Seguiu para seu país
Naquela grande jornada
Satisfeito da vida
Ó Maria Imaculada
Foi tu que me salvou
Daquela hora amargurada
Quando ia viajando
Primeiro monte que avistou
Foi aqui em Barra Grande
Que a igreja fundou
A Nossa Senhora da Guia
Com muito prazer entregou
Cumpriu a sua promessa
Pela graça que recebeu
De Nossa Sra. da Guia
Junto com o filho seu
Nosso Sr. Jesus Cristo
O amor de Deus
Depois que Ele deixou
Seu voto aprovado
Despediu de Barra Grande
Tudo ficou realizado
Seguiu para a Holanda
Seu país desejado
Adeus, Barra Grande, adeus
Adeus, minha santa querida
Nossa Sra. da Guia
Salvou a minha vida
Com os meus marinheiros
Vamos fazer partida…
Trecho do poema: “Paróquia de Santo Antônio em cordel”, de Odete Isabel Nascimento:
“Em mil e novecentos e setenta e cinco,
Aconteceu em Barra Grande
Um fato alarmante
Ao amanhecer do dia daquele ano,
A igreja estava vazia
Levaram a imagem de Nossa Senhora da Guia
Que susto para os devotos
Da virgem Maria
A notícia se espalhou em toda região
Deixando os devotos descontentes
Homens e mulheres cheios de aflição
O clamor do povo era esse:
“Temos que recorrer a alguém
Para juntos acharmos solução!”
Em outubro daquele mesmo ano
A notícia se espalhou
Doutor João era prefeito
E herdeiro destas terras
Ficou chocado com a notícia
De recife era delegado de roubos e furtos
Disse: “Vou investigar!
Não descanso enquanto não encontrar!”
Com muito esforço,
Doutor João pela imagem procurou
Uma alegria invadia os corações
A imagem de Nossa Senhora da Guia
Doutor João encontrou
Tal era a alegria do povo
Que logo se organizou
“Vamos buscar a imagem
De Nossa Senhora da Guia!”
Neste dia, até o céu se alegrou
Centenas de fiéis
A carreata acompanhou
Com fogos, músicas e oração
A emoção foi tanta que o choro
Saiu também em procissão
Muitos devotos choravam
“Nossa amada Maria voltou!”
“Viva a Mãe de Deus e nossa!”
Com a chegada da imagem
Veio também a preocupação:
“Para que Ela tenha segurança
Onde vamos colocar a imagem, então?”
A preocupação era grande
Mas o casal Eurico e Anita gritaram:
“A Virgem da Guia,
Em nossa casa, ficará!”
Naquele ano da descoberta
Recife ficou debaixo d’água
A imagem de Nossa Senhora da Guia
Estava em um quarto cheio d’água
Foi logo observada que sua pintura
Precisava ser reformada
Assim foi feito
E o povo ficou satisfeito
Um filho daqui de Barra Grande
José Santiago era seu nome
Filho de Seu Amaro Lotero
Logo se interessou
Trouxe de Maceió uma restauradora
“Traga a alegria para o povo!”
O serviço da artista ele contratou
E toda despesa pagou
De comum acordo
Entre a comunidade
Seu Eurico e Luiz Tavares
Viram a necessidade de outro local
Para a escola estadual
A imagem da Virgem levou
Seu Eurico a responsabilidade ao
Senhor Luiz Tavares delegou
Naquele tempo,
Na escola estadual faltava professor
O Senhor Luiz Tavares
Uma sala ali organizou
E a imagem da Virgem entronizou
Na escola, a comunidade
Celebrava missa e os sacramentos
Até o mês de maio a comunidade celebrou…
Hino de Nossa Senhora da Guia
Vinde devotos os fiéis,
doce hino entoar
a nossa senhora da guia
virgem pura singular (bis)
Ela roga sem cessar
A Jesus seu filho amado
Pelos seus filhos devotos
neste mês tão venerado (bis)
Vinde todos com prazer,
vinde não vos detenhais,
Consagrar o puro amor
a rainha mãe dos mortais (bis)
Defendei-nos, Ó virgem santa
Das ciladas dos inimigos
para que as nossas almas
Vivam em paz sem perigo(bis)
Lá do mar, avistaram um monte
só ali poderiam fazer
a igreja de nossa senhora
para ela nos proteger (bis)
Oração a Nossa Senhora da Guia
“Maria conhece todas as nossas necessidades, mágoas, tristezas, misérias e esperanças. Interessa-se por cada um de seus filhos, roga por cada um com tanto ardor como se não tivera outro”. (Serva de Deus, Madre Maria José de Jesus).
Oração
A corte celestial, perpetuamente canta vossos louvores, ó Rainha dos anjos e dos santos, soberana, clemente. Sois misericordiosa e o refúgio dos pecadores, por isso venho contrito pedir vossa interseção junto ao Vosso Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, perdão para os meus pecados e a graça de evitar os maus caminhos que levam à perdição. Suplico-vos Senhora, vosso auxílio na existência, vossa proteção em minhas atividades, vosso amparo nos meus negócios, o favor de me abrir os olhos e a inteligência a fim de que eu compreenda onde está a minha salvação e, quais os recursos dos quais devo me servir para não ser malsucedido. Afastai de mim os inimigos, os desonestos, os homens sem fé e sem caridade. Concedei-me boa disposição de alma e de corpo, para que eu possa dirigir meus interesses, a fim de que jamais recuse um auxílio aos que necessitam de pão e de socorro material ou espiritual. Dê-me paciência, perseverança e destemor diante dos obstáculos. Dê-me, Senhora da Guia, vosso amparo. Mãe Imaculada, rogai por nós. Mãe admirável, rogai por nós. Amém.
Rezar 1 Pai-Nosso, 3 Ave-Marias e 1 Salve-Rainha
Texto: Anderson Peace
Fotos: arquivo paroquial e Anderson Peace