Maragogi acorda mais triste nesta segunda-feira (20). Faleceu na tarde desse domingo, 19 de junho de 2022, aos 75 anos, Maria José Ferreira, a Mestra Dudé da Barra Grande. Descansou por volta das 15:48 horas, na UPA de Maragogi.
Maria José era Mestra de folguedos, e guardava na memória o Auto de Natal chamado Lapinha, sendo a última detentora desse conhecimento em Alagoas. Dudé foi mestra e professora de Pastoril, ministrava grupos de baianas, lecionou durante meses o pastoril no município de Porto de Pedras, dançava, cantava e dividiu composições em parceria com o saudoso Mestre Tião do Samba de Matuto. Dudé estava concorrendo este ano a Patrimônio Vivo de Alagoas pela Secretaria do Estado. Desde muito jovem, sempre participou dos folguedos em Maragogi. A Mestra Dudé trazia em sua bagagem de experiências pessoais, algumas brincadeiras da cultura popular, entre elas a Lapinha, que se encontrava em vias de extinção.
A Lapinha configura-se como um Auto de Natal, conhecido também como teatro dramático por conter em sua estrutura de apresentação, encenações, cantos, danças e poesias recitadas. Consta que este Auto de Natal teve seu início em Portugal por volta de 1584, século XVI. O folguedo já estava em processo de desaparecimento e sua única representante e detentora desse saber empírico estava em Maragogi.
Hoje, a Cultura fica mais triste, Maragogi perde mais uma estrela, mais uma riqueza patrimonial do Estado, que se despede para sempre, nos deixando saudades, mas também um legado. A Lapinha de Dudé está registrada em filme e será publicada em livro num futuro próximo, transmitindo aos novos brincantes o repasse de seus saberes.
Certa vez, perguntei a Dudé qual a brincadeira que ela mais gostava de fazer, e ela respondeu assim: “Gosto de todas as brincadeiras, mas acho a Lapinha muito importante e diferente, parece um teatro”. E acrescentou: “O pessoal me conhece e sabe que eu gosto de brincar, gosto de fazer o Pastoril, gosto de dançar na quadrilha de São João, gosto de dançar o Samba de Matuto, que é meu maior prazer, e gosto de fazer a Lapinha.”
“E na Barra Grande ainda existe uma grande riqueza: a Mestra Dudé, que encaixa em sua memória o maior arquivo sobre canções folclóricas alagoanas e pernambucanas. E ela ainda vive lá cantando seus amores, sem saber que tem na memória cultural uma esplêndida riqueza, cuja tradição vem de Portugal e Espanha. É preciso um etnólogo de plantão no Maragogi. É preciso um etnólogo de plantão em Alagoas. É preciso que o alagoano tenha consciência que folclore não é apenas folguedo. Que antes de ser folguedo é etnologia. Faz parte da ciência das etnias”, escreveu outro grande mestre, o historiador, escritor e etnólogo Dirceu Lindoso, no livro de sua autoria, O Círculo Arcaico, pág. 195.
Dudé nunca estava triste e se despediu da vida em mês das grandes comemorações juninas. Que seu espírito siga leve e voe direto para brilhar no Céu!
Texto: Ismélia Tavares/ Pesquisadora e historiadora